Instituto Pensar - Com presença tímida da esquerda, manifestação de oposição não faz frente a atos pró-Bolsonaro

Com presença tímida da esquerda, manifestação de oposição não faz frente a atos pró-Bolsonaro

por: Mariane Del Rei e Revista_Fórum 


Foto: EPA

Com Plinio Teodoro

Cinco dias depois que dezenas de milhares de pessoas de diferentes Estados se reuniram em São Paulo para apoiar o presidente, movimentos de oposição se reuniram na mesma avenida Paulista para pedir o impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido).

O quórum, contudo, foi bem distinto. Apesar da rejeição elevada de Bolsonaro, Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua fizeram atos menores em São Paulo e nas demais capitais em que haviam convocado manifestações. Conforme as estimativas da Polícia Militar, foram 6 mil pessoas na avenida Paulista, ante 125 mil no 7 de setembro.

A ideia inicial era reunir uma espécie de frente ampla com grupos de esquerda. O Partido dos Trabalhadores (PT), contudo, e movimentos como os do Sem Teto vinham mostrando resistência sob o argumento de que os grupos, assim como o próprio bolsonarismo, tinham raízes na extrema-direita.

O PDT de Ciro Gomes e o PCdoB, por outro lado, decidiram se juntar aos atos.

Em paralelo, MBL e Vem Pra Rua, que nasceram nos mega protestos de 2013, não mostraram a mesma capacidade de mobilização que tinham até 2015 e 2016, quando capitanearam grandes manifestações pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Para a cientista política e pesquisadora do Cebrap Camila Rocha, os atos deste domingo mostram que "a construção de uma frente ampla com poder de derrubar Bolsonaro de fato não será fácil, ainda mais considerando que, por enquanto, tal movimento também não vem se expressando nas ruas?.

Domingo de sol na Paulista

No horário marcado para o início dos atos, por volta de 14 horas, com exceção dos ambulantes que vendiam mercadorias "Fora Bolsonaro?, os primeiros quarteirões da avenida viviam um domingo como muitos outros. Debaixo de muito sol, os ciclistas iam e vinham pelo canteiro central, muita gente almoçava em mesas nas calçadas largas, tomava cerveja, fazia fila para comprar sorvete.

Mais próximo do Museu de Arte de São Paulo (Masp), a fragmentação da oposição a Bolsonaro se mostrava de maneira didática no espaço de dois quarteirões. Um primeiro carro de som do Movimento Direita Digital reunia algumas dezenas enquanto, do outro lado da avenida, se viam os eleitores do Partido Novo em uma aglomeração laranja.

Alguns passos à frente, o carro de som do Movimento Brasil Livre (MBL), depois o toldo do PDT, o guarda-sol roxo do movimento Livres e, de frente para o prédio da Fiesp, o trio do Vem Pra Rua, com um inflável enorme de Bolsonaro e Lula abraçados.

O ex-presidente, aliás, foi um fator de fragmentação dentro dos movimentos de direita: enquanto o Vem Pra Rua pregava o "Nem Lula, Nem Bolsonaro? pelo microfone, o MBL se concentrava no "Fora Bolsonaro?.

O grupo decidiu abandonar o mote inicial da convocação para os protestos, que defendia o fortalecimento de uma terceira via para as eleições de 2022, para acomodar a esquerda no palanque. Do carro de som do MBL discursaram Ciro Gomes (PDT) e o deputado federal Orlando Silva (PCdoB).

"Acredito que a divisão entre petismo e antipetismo entre as lideranças políticas e a população em geral contribua muito para a divisão?, comenta a cientista política Camila Rocha.

A porta-voz do Vem Pra Rua, Luciana Alberto, afirma que o grupo aderiu à pauta unificada do "Fora Bolsonaro?, mas entende que defender o impeachment do presidente não exclui a legitimidade de "falar do Lula nunca mais?. "São pautas que convergem.?

A ideia dos atos, acrescenta a advogada, era que fossem representativos de toda a sociedade. "E uma frente ampla tem que considerar essa parcela da população?.

No fim do dia, o saldo da manifestação, para ela, foi de que reuniu mais gente que o esperado. "Me surpreendeu a quantidade de pessoas num final de feriado, um domingo muito quente, em um momento em que as pessoas estão despertando para as pautas políticas.?

A indignação contra o presidente, que se traduz no índice de rejeição elevado de Bolsonaro, não necessariamente significa que as pessoas se sentem motivadas a lutar por mudanças, justifica a advogada. Movimentos como o de hoje, em sua avaliação, vão "despertando nelas essa consciência?, que deve vir com o tempo.

O vereador e porta-voz do MBL, Rubinho Nunes (PSL), também disse à BBC News Brasil julgar que a adesão foi maior que a imaginada, com saldo positivo. Na conta dos organizadores, 55 mil pessoas foram à avenida Paulista.

"Foram pessoas com ideologias distintas, mas unidas contra o que o Bolsonaro representa. Todos os que compareceram, em defesa do Ciro Gomes, do João Doria e do Amoedo foram respeitosos, independentemente das divergências políticas. As pessoas têm uma preocupação maior em manter um ambiente democrático. É nos unirmos hoje para poder discordar amanhã?, afirmou.

A reportagem questionou Rubinho, que também é fundador do MBL, sobre a presença de pessoas ligadas a outros partidos, como o PT, um alvo histórico do grupo.

"Eu respeito muito e parabenizo essa pessoa pela grandeza democrática que ela representa. Esse foi um ato supra ideológico com o objetivo de barrar a manutenção de um protótipo de ditador na presidência. Nesse momento, bandeiras ideológicas são deixadas de lado quando Jair Bolsonaro representa um risco. Stalin e Churchill estiveram no mesmo lado contra um mal maior, que é o que temos no Brasil?, afirmou.

Nas redes sociais, manifestantes pró-Bolsonaro disseram que os atos fracassaram. O fundador do MBL disse que o mesmo foi dito pela ex-presidente Dilma Rousseff num ato promovido pelo grupo no dia 1° de novembro de 2014.

"Aquilo virou um marco, e depois levamos milhões de pessoas às ruas em 2015 e 2016. Mexemos com a corja bolsonarista e agora as manifestações vão crescer e fazer a diferença?, disse.

Pandemia, economia, democracia

Entre os manifestantes na avenida, a gestora financeira Luisa Furtado ? que se considera liberal na economia e nos costumes ? diz que foi ao protesto para pedir o impeachment de Bolsonaro principalmente por conta das ações do presidente na pandemia.

"Eu fui para a Paulista reivindicar a queda dele porque ele nunca me representou e foi o oposto do que eu acredito. Perdi meus avós e meu tio com covid-19", afirmou.

Para ela, os familiares foram contaminados por pessoas que acreditavam em notícias falsas sobre a pandemia e que se tornaram vetores da doença.

Ela disse que em 2018 votou nulo no segundo turno porque não se identificava com o PT nem com Bolsonaro. Hoje, afirma buscar uma opção "mais técnica e menos populista? que traga soluções para os mais ricos e mais pobres.

Questionada pela reportagem, declarou que votaria no governador de São Paulo, João Doria (PSDB), caso as eleições presidenciais fossem hoje.

"Ele peitou o Bolsonaro e temos uma vacina do Brasil por causa dele. Não gosto dele, nunca votei antes, mas eu acho que seria uma opção. Não podemos focar numa opção ideal, mas uma opção possível, e ele foi alguém que fez uma coisa positiva nesse cenário negativo.?

Para ela, a manifestação só não foi maior porque muitas pessoas ainda têm medo de possíveis atos de violência, tanto dos manifestantes quanto policial, durante os protestos. E avaliou como positiva a presença de pessoas com partidos e ideologias diferentes.

"A presença dos partidos de esquerda demonstra que a gente está unido em prol da democracia. São pessoas que buscam as mesmas coisas por caminhos diferentes?, afirmou.

Os poucos manifestantes de esquerda que foram à Paulista no domingo faziam coro ao argumento de que o importante era unir uma frente ampla em defesa da democracia.

"Isso é democracia. Quem discordar de mim, está no direito dele. Se o cara mandar eu sair porque estou com a máscara do PT, está dentro do direito dele. Isso é democracia?, disse, de camisa vermelha, Francisco Lino Neto, que saiu da zona leste em um grupo de 15 amigos.

"Mas não é um problema dividir o ato com eles. Não sou filiado ao PT, mas sou simpatizante do partido há 40 anos, desde a fundação.?

Desempregado, o trabalhador da construção civil afirma que o governo é "péssimo? e diz estar na rua também por mais emprego e maior celeridade na vacinação contra a covid-19.

Já o empresário Ricardo Brandão, que saiu sozinho de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, diz que foi à Paulista para defender especialmente a auditoria da dívida pública.

Também se disse a favor do impeachment de Bolsonaro, a pauta que acomodava as diferentes ideologias que foram protestar no domingo. Em seu ponto de vista, "isso pacificaria o Brasil?.

O mineiro votou em Ciro Gomes no primeiro turno das eleições de 2018 e diz que foi "obrigado? a votar em Fernando Haddad (PT) no segundo turno "porque era o menos pior?.

38% dos manifestantes não aceitam protestar com PT

A principal resistência a comparecer veio do PT, maior partido da esquerda, e de movimentos próximos ao petismo, como a Central Única dos Trabalhadores ? organizações que, desde a campanha pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, são adversários de MBL e Vem Pra Rua.

Uma pesquisa com os participantes do ato da Avenida Paulista deste domingo mostra que a resistência é mútua: embora 85% dos entrevistados tenham concordado que "para o impeachment de Bolsonaro, é preciso uma ampla aliança que vai da direita à esquerda?, 38% disseram que não participariam de uma manifestação junto com o PT.

Outros 33% responderam que não ocupariam as ruas ao lado da CUT, e 31% não protestariam com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

O levantamento, coordenado pelos professores da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado e Márcio Moretto, entrevistou 841 manifestantes e tem margem de erro de 4 pontos percentuais para mais ou para menos.

"O resultado é bem contraditório. As pessoas que foram ao ato querem uma frente ampla contra Bolsonaro, mas quase 40% dizem que o PT é demais pra engolir?, nota Ortellado.

O PT e outros partidos e movimentos de esquerda planejam protestos contra Bolsonaro para 2 de outubro. Segundo Ortellado, a equipe da USP quer pesquisar também nessa manifestação a aceitação da esquerda a participar de atos com grupos da direita. Ele suspeita que identificará uma resistência semelhante do outro lado.

"Um pedaço da direita não engole o PT, e um pedaço da esquerda não engole o MBL. Uma frente ampla para aprovar o impeachment ou para derrotar o Bolsonaro no segundo turno de 2022 precisa superar essas duas resistências?, ressalta.

Apesar disso, o ato da Avenida Paulista conseguiu atrair parte dos antigos adversários do MBL e do Vem Pra Rua. Segundo a pesquisa da USP, 37% dos entrevistados se disseram de esquerda ou centro-esquerda e 34%, de direita ou centro-direita.

"A grande novidade deste domingo é que a manifestação foi ideologicamente diversa. Acho que desde 2014 (ano dos atos contra a Copa do Mundo) não via isso?, nota Ortellado.

Para atrair parte da esquerda, o MBL e o Vem pra Rua abandonaram o mote inicial da convocação, "Nem Bolsonaro, Nem Lula?, que defendia o fortalecimento de uma candidatura presidencial alternativa à disputa hoje polarizada entre o atual presidente e o ex-presidente petista Luís Inácio Lula da Silva.

A pauta dos protestos foi unificada em uma só, o "Fora, Bolsonaro?, e foi escolhido o branco como cor oficial dos atos.

Ainda assim, foi frequente nos atos deste domingo a presença de manifestantes com faixas e camisetas "Nem Lula, Nem Bolsonaro?.

E, ao lado de um caminhão de som do Vem Pra Rua na Avenida Paulista, foi inflado um boneco de Lula e Bolsonaro abraçados ? o petista vestido de presidiário e o presidente com uma camisa de força.

Embora tenham comparecido políticos de peso ? como os pré-candidatos à Presidência da República Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB, governador de São Paulo), e Alessandro Vieira (Cidadania, senador) ?, o público desse domingo ficou abaixo dos atos em apoio a Bolsonaro de 7 de setembro e de protestos contra o presidente convocados por movimentos de esquerda nos últimos meses.

Em segundo turno, 54% votaria em Lula contra Bolsonaro

O levantamento da USP também investigou a intenção de voto para a disputa presidencial de 2022.

Ciro Gomes (PDT), que esteve presente na Avenida Paulista, apareceu em primeiro lugar (16%), seguido de Lula (14%) e do ex-juiz e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro (11%).

João Amoedo (Novo) e João Doria (PSDB), que também participaram do ato em São Paulo, aparecem com 8% e 7%, respectivamente. Outros 31% afirmaram não saber em quem votar.

As pesquisas de intenção de voto que têm sido realizadas nacionalmente nas últimas semanas indicam que, se a eleição presidencial fosse hoje, o segundo turno seria entre Lula e Bolsonaro.

Considerando esse cenário, 54% dos manifestantes no ato da Avenida Paulista responderam à pesquisa da USP que votariam em Lula, enquanto 40% disseram que anulariam ou votariam em branco ? ou seja, um percentual similar ao que não aceita protestar ao lado do PT.

Público dos atos bolsonaristas era mais velho e de menor renda

Os pesquisadores da USP também investigaram o perfil dos manifestantes que foram as ruas de São Paulo no 7 de setembro.

Os resultados das duas pesquisas mostram que o público que compareceu à Avenida Paulista neste domingo (12/9) era, em média, mais jovem, mais escolarizado, de maior renda e mais branco que os apoiadores de Bolsonaro.

Entre os manifestantes de 12 de outubro, 69% tinham até 44 anos, 79% tinham ensino superior completo ou incompleto, e 56% tinham renda familiar acima de 5 salários mínimos. A maioria dos entrevistados (67%) se declarou branca, enquanto os autodeclarados negros somaram 29%.

Já entre os que foram à Avenida Paulista no feriado da Independência, 53% tinham mais de 45 anos, 43% tinham renda familiar maior que 5 salários mínimos e 60% tinham curso superior, completo ou incompleto. Naquele dia, 60% se declararam brancos e 33%, negros.

Banqueiros e financistas dizem que votam em Lula "se ver sua equipe econômica?

Linha auxiliar do golpe que levou Jair Bolsonaro à Presidência, banqueiros e agentes do sistema financeiro compareceram à esvaziada manifestação contra o governo convocada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e cogitam voto em Lula (PT) dependendo de sua "equipe econômica?.

"O simbolismo de uma volta de Lula ao poder é ruim, mas precisamos ver que Lula seria esse, qual seria sua equipe econômica?, disse Lucia Hauptman, dona de uma empresa de investimentos, a Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo.

Chamados de "pesos pesados do PIB brasileiro? pela jornalista, a horda de ricaços que tentou ? sem sucesso ? inflar o ato pela chamada "terceira via? contou com a presença de Horácio Lafer Piva (acionista da Klabin e ex-presidente da Fiesp), José Olympio Pereira (presidente do banco Credit Suisse), Fábio Barbosa (da Gávea Investimento e ex-presidente do banco Santander), Antonio Moreira Salles (filho do presidente do conselho de administração do banco Itaú Unibanco, Pedro Moreira Salles) e Eduardo Wurzmann.

Confessando que apostaram no protofascismo de Bolsonaro contra o PT na esperança de verem implantadas à força as propostas neoliberais no país, os financistas mostram arrependimento.

"Muitos empresários votaram em Bolsonaro para evitar o PT no poder?, confesa Wurzmann, antes de se dizer "preparado? para votar em Lula para tirar Bolsonaro do poder.

"Voto em qualquer um que não seja o Bolsonaro. Espero que haja alternativa, alguém que tire Bolsonaro do segundo turno. Mas o fato é que a inflação hoje está mais alta do que era no governo Dilma, o dólar também, nada foi privatizado, reformas estão patinando?, afirmou.

Com informações da BBC News



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